29.8.04

E-mails apócrifos

Eu não sou uma grande autoridade para falar de literatura, afinal li muito menos livros do que deveria nestes 20 anos. Mas vocês hão de convir que há certos estilos facilmente identificáveis. Se vissem, por exemplo, o trecho “Bota a mão no joelho, dá uma abaixadinha, vai descendo gostoso, balançando a bundinha” jamais acreditariam que é uma composição de Chico de Buarque de Hollanda.

Ok, foi um exemplo exagerado, mas a maioria desses textos que circulam na internet (grande parte creditada a Luis Fernando Veríssimo) não leva a assinatura do vedadeiro autor. O caso mais recente é um texto sobre o vocalista do L.S. Jack que entrou em coma após uma lipoaspiração, creditado a Hebert Viana. Uma amiga publicou o texto em seu blog Diário, mas nem tanto e iniciou-se uma discução sobre a autoria. Alguns leitores vieram prontamente esclarecer que a verdadeira autora era Rosana Hermann, em seu blog Querido Leitor. Outros discordaram, confiando no que viram escrito nos e-mails. No final, a dona do blog pesquisou e publicou a verdade, dando o crédito merecido a Hermann.

Em um outro blog, há uma declaração ótima sobre o assunto. A Alessandra, do Vida de Redatora, disse que seu sonho é ver um de seus textos espalhados pela net “assinado” por Luis Fernando Veríssimo. Meio que passou a ser o meu também.

Piadas a parte, não dá para entender o que leva uma pessoa a deliberadamente pegar um texto de que gosta, copiar, colar, excluir o autor e colocar outro nome na assinatura. Mas isso é tão comum que chegou a atingir o mundinho da propaganda, gerando confusão em um anúncio das Casas Bahia criado pela Bates. O texto utilizado na peça, cujo início era “Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você”, foi difundido na net com a assinatura de Drummond, quando na verdade fora produzido por Liliana Barabino, redatora da agência DPZ. A agência o havia usado em uma campanha institucional na época da Copa do Mundo de 2002.

Para utilizar o texto em sua campanha, a Bates consultou a família do poeta, que por sua vez descartou ser de Drummond a autoria. Os advogados da agência concluíram ser de domínio público e arriscaram. A DPZ, ao ver o anúncio veiculado, acusou a Bates de plágio, forçando a retirada do anúncio da mídia.

Particularmente, ao receber esse tipo de texto, desconfio de cara. Fico me perguntando como uma pessoa pode ser tão mal situada a ponto de achar que aquelas reflexões tão coloquiais e modernosas sejam mesmo de Mário Quintana ou Carlos Drummond. Só falta começarem a atribuir textos que falam de internet a poetas do século 19. Os desavisados ainda ficam comentando “Você já recebeu este texto do Vinicius? Não é o máximo?”

Não. Não é o máximo. Muito menos é do Vinicius. Acorde e vá ler um livro, criatura.

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