21.9.04

Carta a Marcelo

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar…
Não, não, isto não é verdade! Ele falava pelos cotovelos e sempre explicava tudo minuciosamente, o que me deixava extremamente irritada.

Incapaz de responder uma pergunta com um “sim” ou “não”, era indeciso até para escolher o que ia no recheio do sanduíche. Foi logo se encrencando com a moça da cantina, que demonstrava muito pouca paciência com ele.

Aliás, pouca paciência era o que eu tinha também. Como a gente se estranhou no começo… Eu achava que a qualquer momento voaria em seu pescoço para obrigá-lo a responder minhas perguntas em menos tempo. Logo percebi que ele não ia muito com minha cara também.

O que exatamente mudou e quando isso aconteceu, não consigo precisar. Mas sem que me desse conta estava confidenciando histórias para ele, almoçando junto, falando besteiras.

Acabamos nos entendendo como ninguém nos trabalhos. Nos tornamos uma dupla de verdade, daquelas que sabem o que se passa na cabeça do outro e que gostam de criar tudo junto. As madrugadas deixaram de ser um muro das lamentações e passaram a ser mais parecidas com um híbrido de Jackass e Saturday Night Live. Inauguramos as famosas Lex Nights, e suas imitações vão ficar para a história.

Talvez tenha sido o cabelo… Esse é um detalhe bastante importante, o cabelo dele é um dos mais bonitos que eu conheço. Apareceu com ele bem curtinho e, depois de muita insistência para que deixasse crescer (não sei se eu realmente fiz diferença nesse processo, mas gosto de pensar que sim), ficou repleto de cachinhos chuchus…

É engraçado como se pode mudar tão radicalmente de opinião a respeito de uma pessoa. Sei que ele tem o mesmo questionamento, não esperava que seríamos tão próximos.

E é exatamente isso que faz tudo ser mais difícil. Desde que soube que ele partiria, fiquei com uma sensação estranha, uma angústia constante. Sei que devo ficar feliz por ele, é uma conquista, um lugar melhor. Mas vou perder tanto que nem conseguiria explicar.

Hoje é seu último dia aqui. Amanhã ele não vai estar sentado na minha frente balançando os cachinhos, sorrindo feito criança com alguma história para contar. Não subiremos juntos para assitir ao pôr do sol ou desabafar desaforos que ocasionalmente ouvimos. Nos momentos mais difíceis, não haverá aquela piada sem graça que me tira o fôlego de tanto rir, ou um carinho que espante a permanente sensação de estar sozinha.

Amanhã ele não vai estar aqui.

Meu amigo vai embora, e eu vou sentir muito a falta dele.

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