9.5.06

Aquela que se avizinha

A janela do quarto onde fica o meu computador dá para o vão do prédio, com vista para as janelas dos apartamentos do outro lado.

A maior parte do tempo as persianas daqui ficam fechadas para garantir a minha privacidade, pois é neste quarto onde ficam minhas roupas.

Em uma das vezes em que estavam abertas, eu vi o habitante do quarto ao lado. Um velhinho bem velhinho, deitado na cama, aparentemente vendo tv. Acho que ele me viu também. Fiquei um pouco envergonhada com a minha intromissão e me afastei.

Nas ocasiões de janela aberta que se seguiram, tornei a ver o velhinho, na mesma posição, ou seja, imóvel. Minha reação sempre foi a de me afastar.

Mas eu me afastava apenas fisicamente, pois em minha cabeça permaneciam por vários momentos a imagem do meu vizinho, me causando constrangimento.

Constrangimento por pensar na velhice, por me deparar com esse estado tão frágil e indefeso em que ela se apresentava para mim. Lembro de uma frase que li certa vez que dizia que “a velhice é a coisa mais inesperada que acontece na vida do sujeito”.

E, inesperadamente, ela estava ali, se mostrando inteira para mim, na forma de um senhor que parecia estar preso àquela cama, dia após dia.

Meu medo então passou a ser o dia em que abrisse a janela e não o visse mais lá. Isso seria o fim, seria o indicativo do que nos espera caso sobrevivamos a todos os testes. Para onde mais poderia aquele velhinho ir, afinal?

Aconteceu ontem. E hoje também. Enquanto eu escrevia, aproveitei para procurar por ele mais uma vez. Ele não está lá, apesar de uma luz fraca no quarto me lembrar uma tv ligada. Será que os companheiros ainda esperam por ele? A tv ligada e a cama arrumada…

Mas não, ele não está mais lá.

Nenhum comentário: