17.10.07

Ópera do Malandro

Até um cuspe na cara pode lembrar Chico.

"Os homens cantam:

Eu te adivinhava
E te cobiçava
E te arrematava em leilão
Te ferrava a boca, morena
Se eu fosse o teu patrão

Ai, eu te tratava
Como uma escrava
Ai, eu não te dava perdão
Te rasgava a roupa, morena
Se eu fosse o teu patrão

Eu te encarcerava
Te acorrentava
Te atava ao pé do fogão
Não te dava sopa, morena
Se eu fosse o teu patrão

Eu te encurralava
Te dominava
Te violava no chão
Te deixava rota, morena
Se eu fosse o teu patrão

Quando tu quebrava
E tu desmontava
E tu não prestava mais, não
Eu comprava outra morena
Se eu fosse o teu patrão

As mulheres cantam:

Pois eu te pagava direito
Soldo de cidadão
Punha uma medalha em teu peito
Se eu fosse o teu patrão

O tempo passava sereno
E sem reclamação
Tu nem reparava, moreno
Na tua maldição

E tu só pegava veneno
Beijando a minha mão
Ódio te brotava, moreno
Ódio do teu irmão

Teu filho pegava gangrena
Raiva, peste e sezão
Cólera na tua morena
E tu não chiava não

Eu te dava café pequeno
E manteiga no pão
Depois te afagava, moreno
Como se afaga um cão

Eu sempre te dava esperança
De um futuro bão
Tu me idolatrava, criança
Se eu fosse o teu patrão"

5.10.07

Eu

Antes só que abandonado.

Pi pi pi pi

Às quintas a programação da TV é muito intensa..., além disso, eu trouxe trabalho pra casa.

Não sobrou muito tempo.

Mas lembrei de dizer que cheguei à conclusão de que a diversão dos motoristas de lotação daqui de poa é frear bruscamente para ver os passageiros tropeçarem e se atrapalhar na hora de chegar à saída do veículo.

Só pode ser.

3.10.07

Tempo

O meu normal é ser atrasada.
Se não tem nada acontecendo, estou atrasada.

Se estou muito aflita ou chateada, me adianto.
Corro, faço tudo, não se vê um prato na pia.

Se estou muito feliz corro para manter a sensação.
Cada vez que chego cedo na agência me sinto vitoriosa.

O dia-a-dia é sempre uma batalha.

Quando estou muito atrasada, minha arma é o táxi.
Ele não me faz ganhar muito tempo, mas me inflige um castigo financeiro.

Quando trabalho até muito tarde, pego táxi.
E a empresa só me reembolsa se o taxista preencher todos os campos do recibo.

Valor, valor por extenso, percurso, códigos todos.
O problema é que muitos taxistas, descobri,
Não sabem escrever.

Os taxistas não sabem escrever.
Mas como eles passaram no exame?

E agora, quando ligo para a empresa de táxi, tenho que pedir que me mandem um taxista alfabetizado.
Isso é muito desconcertante.

Outro problema são os cintos de segurança que, quando existem, muitas vezes estão presos atrás dos bancos.
Não dá para usar e eu tenho vergonha de reclamar.
Daí fico torcendo para que nada aconteça.

Nada é melhor que muita, muita coisa.

Independência

Onde é que você tá?
Por onde é que você anda?

Aonde você vai enquanto some?
Por que seu telefone não atende?

Por que eu fico sempre sem notícias?
Por que é que estou sempre a aguardar?

Já deixei tanta gente me esperando
Será que minha sina é te esperar?

Por que cuidando de você fico doente?
Por que sua independência anula a minha?

Você passa a noite em pé
Quem acorda cansada sou eu.

Eu preparo muitas surpresas
Mas o susto é sempre meu.

Eu sei que não preciso de ninguém, e nem você.
Tudo o que preciso é saber que cê tá bem.

Fica bem, meu amor.
Pois eu preciso ficar também.

Leminski de novo

"Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
lembram letras no papel,
quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?"
(Paulo Leminski)

...

Esse negócio de escrever é esquisito.
Pode ser profissão,
Pode ser desabafo, passatempo.
Pode ser aspiração.
Pode ser arte.

Pode ser terapia.
Muitos blogs por aí são tentativas de terapia em grupo,
muitos leitores de blog vagam pela rede em busca de identificação.
E encontram, claro, pois os problemas são basicamente os mesmos.

As musas são poucas.
As circunstâncias não são tão variadas, também.

Todas as canções são de amor.
Perdido, encontrado, sonhado, negado.

Os cigarros não são mais suficientes.
Hoje eu tenho um remedinho que aos meios toda noite me acolhe.

Mas a minha vida não alardeia um sentido, se é que alguma o faz.
Eu chego em casa e não sei o que fazer.

A TV também não dá mais conta.
É quase tudo muito igual, e preciso me esforçar para focar minha atenção.

Em uma semana vil, sete livros me resgataram,
assuntos difíceis, raciocínios complicados.
Fuga.

Todo mundo foge.
Álcool, baladas, drogas, TV ou livros.
Qualquer coisa para parar de pensar.

Olhar para dentro é importante, mas é muito cansativo.

Escrever é olhar para dentro, eu sinto,
mas sempre se acaba manipulando os assuntos que afloram.

Por isso escrever às vezes dói.
Dói encarar, dói manipular, dói recriar.

Recriar é admitir o desejo por uma outra realidade.
A não ser que isso seja apenas diversão.

Mas esse é um outro tipo de escritor.
Ou alguém em um outro momento.

Eu escrevo por profissão,
mas minha profissão é vender.
E isso tira o valor do meu texto.

Eu me sinto vazia.
Minha expectativa é muito alta.
Minha cobrança é pior.
Meu conteúdo nunca está à altura.

Mas eu preciso me tratar.
Eu preciso escrever sem tema, sem prazo, sem verba.
Sem pauta, sem dupla, sem produto.

Meu produto sou eu, e eu não quero me vender.

Ninguém tem nada com isso,
mas eu preciso escrever.

Preciso falar do táxi, do almoço, da terapia.
Do cheiro de alecrim que saindo do forno faz a alegria do meu fim de semana.
Da falta que eu sinto de ter um gato.
Da culpa que eu sentiria em trancar um gato num apartamento.
Da tristeza de ver tudo errado em todo lugar.

Dos momentos angustiantes da solidão de não fazer parte de nada.
Dos momentos prazerozos da solidão de não ter que agradar a ninguém.

Às vezes fica mais difícil, mas é tão mais difícil para tanta gente.

Mas assim é que é.
E é isso que preciso tirar de mim.

E é este o meu espaço. Pois não sei mais escrever à mão, parece.
E se alguma coisa interessante aparecer no meio da bobagem, legal.

Se não, paciência. Esse não é meu objetivo.

Poderia escrever a noite inteira, mas chega.

Quero tentar outra coisa.

Quero relaxar.

E seguir escrevendo e procurando com calma.