Sempre considerei a tristeza a mais bonita das paixões. Praticamente toda arte de que mais gosto foi feita sob essa inspiração.
E não acho que por ter me sido roubada recentemente minha opinião deve mudar. Afinal,
“É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão não se faz um samba não”
nas palavras de Vinicius. Por isso, se às vezes o cardíaco se aperta, sem motivo ou com motivo, não luto contra. Sentir é lento, valorizo todo e qualquer movimento. Quero sentir a tristeza também, quando ela vier.
Caiu de uma das caixas da minha mudança um recorte de jornal que tenho há tempos. É um texto do Cony, triste, triste, do qual sempre me lembro e queria voltar a encontrar. Pois ele pousou em meus pés, do nada, em um dia esquisito.
E como “esquisito” é um negócio muito sem forma pra mim, se puder moldá–lo em tristeza bonita, fico pelo menos mais satisfeita.
Vejam que beleza:
“Aqui no Rio, as estações do ano são meio abagunçadas — é uma das tradições da cidade, tendemos à bagunça e nada demais que a própria natureza saia do sério tão logo ultrapassa as margens do Meriti, uma de nossas divisas mais emblemáticas. Daí que neste final de inverno vivemos um outono gostoso, com temperatura amena e as folhas douradas de nossas amendoeiras atapetando jardins e calçadas.
Depois do almoço, gosto de caminhar no imenso jardim do aterro. Não escandalizo ninguém com a minha solidão e me sinto bem pisando nessas folhas cor de ouro velho que amaciam meus passos. Outro dia, vi uma cena que me trouxe meditação e melancolia.
Há um mendigo que anda com uma carrocinha e, dentro dela, cinco ou seis vira–latas que ele conseguiu tirar daquela outra carrocinha que leva cães ao sacrifício. Os seis — mendigo e cinco vira–latas — repartem o mesmo chão e teto do barraco móvel e a mesma comida que os restaurantes jogam fora.
Vi o mendigo se afastar para ir buscar o almoço em algum lugar e fiquei observando os cachorros. Os cinco permaneceram na calçada, olhando fixamente o horizonte que havia tragado o amigo.
Os cães são assim: quando o dono se afasta, eles se imobilizam diante do horizonte. Não entendem muito por que o amigo sumiu, mas esperam. Sabem que ele deverá voltar — e nem a comida importa, importa que o dono volte.
As crianças também são assim. Detestam quando a mãe some do horizonte delas — um horizonte curto, do tamanho de um quarto, de uma casa. E também esperam, sabem que ela voltará.
Pior mesmo são os amantes. Também eles, quando a mulher amada some do horizonte, se imobilizam e esperam. O mundo pode vir abaixo, o Sol desabar, eles esperam. Olham fixamente o horizonte que a trará de volta. A diferença é que os donos e as mães geralmente voltam.”
Carlos Heitor Cony
Conheci o Cony na Academia Brasileira de Letras, no Rio. Como podem ver, ele me transformou numa estátua de cera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário